Psicóloga alerta para cuidados com saúde mental de crianças e adolescentes

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É comum pensarmos que crianças não costumam ter complicações relacionadas à saúde mental, mas não é bem assim. Ainda pequenas, é possível que sentimentos de rejeição, abandono ou ansiedade possam evoluir e causar sérios problemas que vão afetar o desenvolvimento saudável na infância e trazer consequências para a vida adulta.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem a maior taxa de população diagnosticada com depressão na América Latina. Uma em cada quatro pessoas sofre com algum transtorno mental, além de ser o país com mais pessoas ansiosas no mundo: estima-se que ao menos 9,3% da população, ou seja 18,6 milhões de brasileiros, convivem com essa condição.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a depressão aumentou em quase 35% nos últimos seis anos. No Brasil, das 69 milhões de pessoas com 0 a 19 anos, há registro de 10,3 milhões de casos de transtornos. Entre adultos com transtornos mentais, 48,4% deles tiveram o início do transtorno até os 18 anos. Além disso, supõe-se que uma a cada quatro crianças no mundo apresentou algum tipo de transtorno psíquico. Por isso, a saúde mental na infância é tão importante e não pode passar despercebido.

Para tratar a respeito do tema, convidamos Allane Borges, psicóloga clínica e escolar, especialista em terapia cognitivo-comportamental, com formação voltada para crianças e adolescentes, e pós-graduanda em psicologia escolar.

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Quais os sinais que a criança pode dar para que os pais percebam que ela está com algum tipo de dificuldade?

Allane Borges – psicóloga clínica e escolar; especialista em terapia cognitivo-comportamental; educadora parental licenciada pela PDA Brasil; coordenadora do grupo de gestantes sementinhas no SICC- UNICAP (Serviço de intervenção cognitivo-comportamental); formação em terapia cognitivo-comportamental na infância e adolescência e pós-graduanda em psicologia escolar

O principal indicador para os pais seria a mudança no comportamento, sobretudo, de forma muito brusca. “Além disso, regressões de alguma fase do desenvolvimento, como por exemplo, uma criança que conseguia dormir sozinha e, de uma hora pra outra, tem dificuldade, solicita a presença ou recorre ao quarto dos pais. Começa a fazer xixi na cama, quando não tinha esse hábito, ou qualquer outra alteração no sono”, alerta Allane.

A psicóloga também alerta para as alterações repentinas de humor, como apatia, choros recorrentes e intensos, tristeza e agressividade, que pode se tornar um pouco mais acentuada e, até mesmo, problemas em se relacionar com os pais ou colegas.

Os pais também devem se atentar para a alimentação da criança e do adolescente. Alterações no apetite, como recusa de se alimentar ou comer de forma exagerada, podem ser sinalizadores de que algo não vai bem.

Também é válido estar atento(a) a possíveis problemas escolares, tanto na aprendizagem, comportamentais ou até mesmo relacional. A escola poderá ser uma grande aliada das famílias.

 

O uso excessivo da tecnologia por parte das crianças/adolescentes

É um fato que as telas ajudam em muitas situações e foi um meio de distração, principalmente, durante a pandemia de Covid-19. “Podemos pensar quase como uma ‘chupeta da modernidade’. A criança chora, e consegue o tablet ou o celular. O que não é adequado, visto que, de 0 a 3 anos é o período de ‘maior’ desenvolvimento, onde a criança começa a ter consciência sobre o seu próprio corpo e constrói sua subjetividade através do contato com o outro – o que fica comprometido uma vez que a interação com as telas são, de forma geral, individualizadas”, afirma Allane.

Para a especialista, a brincadeira na infância estimula o desenvolvimento motor, o raciocínio, o planejamento das ações, além de princípios como a cooperação, liderança e respeito as regras além de experienciar as relações sociais e lidar com as emoções e desprazeres, bem como proporciona a criatividade e um possível momento para os pais conversarem com os filhos e compreenderem um pouco sobre o mundo deles. Infelizmente com o uso excessivo das telas, alguns desses pontos acabam não sendo tão explorados e trabalhados.

A pesquisa “Associação entre o tempo de exibição e as crianças”, publicada em 2019 pela JAMA Pediatrics, mostrou que quanto maior o tempo de exposição às telas, pior o desempenho cognitivo. O estudo acompanhou 2.441 mães e crianças nos marcos de 24, 36 e 60 meses, identificando um tempo médio de exposição nos Estados Unidos de 2 horas e 19 minutos por dia.

 

Atividades físicas contribuem para o bem-estar das crianças e dos adolescentes

A atividade física é uma grande aliada na promoção da saúde mental e consequentemente do bem-estar uma vez que, ao realizar, o cérebro produz uma substância química chamada de endorfina. Esse hormônio é responsável por provocar sensações de prazer, bom humor e melhorar a qualidade de vida.

Dessa forma, podemos dizer que o exercício físico pode ser um grande aliado no combate ao estresse/irritabilidade além de ajudar a combater alguns possíveis transtornos emocionais. “Mas é importante estar atento aos excessos. Respeitar o limite do seu corpo, é indispensável”, alerta a psicóloga.

 

Os possíveis impactos da Covid-19 na saúde mental de crianças e adolescentes

Quando se fala na infância e adolescência, pensamos em desenvolvimento, e desenvolvimento, demanda movimento. Os períodos de restrições trouxeram consequências no âmbito educacional, comportamental e, principalmente, social. Houve um aumento dos diagnósticos de transtornos mentais como depressão, ansiedade, pânico e TDAH, elevando a procura por terapia.

“A ausência das brincadeiras, das trocas de experiências, a quebra na rotina e, em alguns casos, presenciar a preocupação financeira dos pais, ou sobre a saúde, são estressores significativos que geram medo, irritabilidade e insegurança. Favorecendo um aumento no nível de ansiedade entre crianças e adolescentes”, completa Allane.

Segundo a psicóloga, ela observou no dia a dia a dificuldade que as crianças tiveram em lidar com situações rotineiras, o baixo limiar de frustração, impaciência, diminuição na criatividade e um aumento dos jogos eletrônicos.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) aponta que os jovens irão sentir o impacto na sua saúde mental e bem-estar por muitos anos.

Allane alerta que é importante que as famílias estejam atentas às mudanças no comportamento e possíveis prejuízos nas áreas sociais, acadêmicas e emocionais.